Carta de Princípios

O PUD – PSICANALISTAS UNIDOS PELA DEMOCRACIA constitui-se, em outubro de 2018, como um movimento social de psicanalistas, instituições psicanalíticas e outros profissionais, pensadores, pesquisadores, estudantes e estudiosos da psicanálise e de campos afins decididos a unir-se em defesa da Democracia no Brasil e criar uma frente de resistência ao que já se anunciava como um grande retrocesso político no país, de caráter de extrema direita e com matizes fascistas. Neste primeiro nível associativo, o PUD assume a forma de um Coletivo amplo, sem exigências, condições de ingresso ou adesão formuladas a priori: todo aquele que, estando em consonância com os princípios éticos formulados nesta Carta, desejar integrar-se ao Coletivo, será nele admitido. Desde então, vimos realizando eventos, debates, notas, textos, vídeos, entre outras ações. Chegou o momento de formalizarmos os princípios e diretrizes que expressam nossa posição perante a sociedade mais ampla e que norteiam as nossas ações, o que constitui o objeto e o objetivo desta Carta. São eles:

1. Entendemos que a psicanálise não constitui um campo uno, um bloco uníssono de consenso e unanimidade sobre questões que podemos considerar fundamentais. Torna-se, portanto, necessário afirmar que este Coletivo toma publicamente a posição de sustentar uma psicanálise em permanente exercício crítico, voltada para problemáticas sociais e políticas, atenta às mais variadas formas de sofrimento psíquico, que entende o campo do inconsciente como transindividual e não coextensivo ao indivíduo isolado.

2. O PUD distancia-se assim, com o máximo rigor, de toda prática que se diga psicanalítica de cunho adaptacionista, conservador, defensora do status quo, supostamente imparcial, omissa em relação às práticas da repressão, censura, tortura e perseguição políticas, servil à lógica do capital, ordem hegemônica em nossa sociedade.

3. Sustentamos que a psicanálise é política. Há uma política própria à psicanálise, contrária à lógica capitalista que deliberada e propositalmente impõe bens de consumo como objetos de desejo, e oposta a todo fundamentalismo religioso, a todo pensamento único, assim como a todas as formas de opressão e de autoritarismo. A política da psicanálise é antifascista, antirracista, antimisógina, contrária ao capacitismo e toda forma de controle da sexualidade e de regulação da identidade de gênero. Se, como práxis, a psicanálise não é neutra, por força mesmo de sua condição de práxis discursiva, nem por isso ela se torna panfletária ou político-partidária.

4.Defendemos a liberdade de pensamento e de expressão, respeitados os limites éticos no ato de nos exprimirmos: não somos livres para ferir, com a força material da palavra, aqueles que nos escutam e nem para legitimar falas e discursos que veiculem opressão, silenciamento, tortura e assassinato de pessoas. Defendemos uma educação igualitária, laica e gratuita, capaz de dar o lastro do discernimento às escolhas. Defendemos o direito à saúde gratuita e de qualidade, e um Estado responsável que assegure esses direitos. E defendemos a igualdade de direitos e o respeito à diversidade que nos caracteriza como seres de linguagem e cultura: nos modos de viver, pensar, amar, falar, mas também na cor, na raça, no sexo, nas crenças, na relação com o medo e a morte.

5. Afirmamos ser urgente o comprometimento dos psicanalistas em práticas e posicionamentos que assegurem os direitos de cidadania e dignidade humana a toda a sociedade, particularmente ao grande contingente de pessoas privadas desses direitos e abandonadas pelo Estado, entre os quais destacamos as mulheres, LGBTQI+, os negros e os indígenas, alvos seletivos de violência e homicídio. É preciso fazer frente à violência continuada dirigida contra a população negra, ressignificando a memória coletiva e promovendo a escuta das narrativas que sempre foram apagadas na história brasileira. As práticas de violência contra essas populações vêm sendo encorajadas, legitimadas ou mesmo veiculadas e cultuadas pelo atual governo brasileiro, configurando uma das mais nítidas e assombrosas expressões da necropolítica contemporânea. Esta política se manifesta também pela significativa precarização e perda de direitos históricos dos trabalhadores, extinção de programas sociais, situação que fica evidente pelo retorno do Brasil ao mapa da fome.

6. Contra a expansão do necropoder, contra uma política que opera como cultura da morte, como fúria de destruição, incitando o ódio, disseminando segregações e destruições, a arma que a psicanálise oferece é a sua aposta no trabalho de articulação e de união das forças pulsionais na sustentação de um laço social capaz de suportar o mal-estar que, como Freud demonstrou, inexoravelmente acompanha toda vida em sociedade. Por isso mesmo, esta tarefa civilizatória exige o espírito democrático, o respeito à diversidade e às diferenças, à cultura, à ciência, às artes e a prevalência da preservação do meio ambiente sobre os interesses desatinados de uma “economia” que não inclui a vida ou a ela se opõe.

PUD – Psicanalistas Unidos pela Democracia


Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2020.